Norma 93. São proibidas as violações e outras formas de violência sexual.Volume II, Capítulo 32, Seção G.
A prática dos Estados estipula esta regra como uma norma do direito internacional consuetudinário aplicável tanto nos conflitos armados internacionais como não internacionais.
A proibição das violações pelo Direito Internacional Humanitário já era reconhecida pelo Código Lieber.
[1] Apesar de não mencionar explicitamente a violação ou outras formas de violência sexual, o artigo 3º das Convenções de Genebra proíbe “atentados contra a vida e à integridade corporal”, incluindo os tratamentos cruéis, a tortura e “os atentados à dignidade das pessoas”.
[2] A III Convenção de Genebra dispõe que os prisioneiros de guerra têm direito “ao respeito pela sua integridade corporal e sua honra”.
[3] A proibição de “atentados contra a dignidade pessoal” é reconhecida pelos Protocolos Adicionais I e II como uma garantia fundamental para os civis e as pessoas fora de combate.
[4] O artigo 75 do Protocolo Adicional I especifica que esta proibição cobre em especial “tratamentos humilhantes e degradantes, prostituição forçada e qualquer outra fora de atentado ao pudor”, enquanto que o artigo 4º do Protocolo Adicional II especificamente acrescenta “estupro” à lista.
[5] A IV Convenção de Genebra e o Protocolo Adicional II exigem proteção para as mulheres e crianças contra a violação, prostituição forçada e qualquer outra forma de atentado ao pudor.
[6] Estes delitos são considerados crimes de guerra pelos Estatutos do Tribunal Penal Internacional para Ruanda e da Corte Especial para Serra Leoa.
[7] Os termos “atentados contra dignidade pessoal” e “qualquer forma de atentado ao pudor” referem-se a toda forma de violência sexual. De acordo com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, “cometer atos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força (...) esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual”, também constituindo uma infração grave das Convenções de Genebra ou uma grave violação do artigo 3º das Convenções, configura um crime de guerra em conflitos armados internacionais e não internacionais respectivamente.
[8] Ainda, “agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável” constitui um crime contra a humanidade pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional e “violação” configura um crime contra a humanidade pelos Estatutos dos Tribunais Penais Internacionais para a Ex-Iugoslávia e Ruanda.
[9] Inúmeros manuais militares afirmam que a violação, prosituição forçada e atentados ao pudor são proibidos e muitos especificam que esses atos são crimes de guerra.
[10] A legislação de muitos Estados prevê que as violações ou outras formas de violência sexual são crimes de guerra.
[11] A jurisprudência nacional confirma que a violação configura um crime de guerra, já em 1946, no caso
Takashi Sakai no Tribunal Militar de Crimes de Guerra do Ministério da Defesa Nacional da China.
[12] No caso
John Schultz, em 1952, a Corte Militar de Apelações dos EUA decidiu que a violação era um “crime reconhecido universalmente como passível de ser punido adequadamente pelo direito da guerra”.
[13]As violações da proibição de violações e outras formas de violência sexual foram amplamente condenadas pelos Estados e organizações internacionais.
[14] O Conselho de Segurança, a Assembleia Geral e a Comissão de Direitos Humanos da ONU, por exemplo, condenaram a violência sexual ocorrida nos conflitos de Ruanda, Serra Leoa, Uganda e a Ex-Iugoslávia.
[15] O Parlamento Europeu, o Conselho da Europa e o Conselho de Cooperação do Golfo condenaram as violações na Ex-Iugoslávia como um crime de guerra.
[16] É significativo que a Iugoslávia reconheceu, em 1993, no seu relatório ao Comitê de Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que os abusos de mulheres em zonas de guerra eram crimes contrários ao Direito Internacional Humanitário, desculpando-se por uma declaração anterior que dava a falsa impressão que a violação era considerada um comportamente normal em tempos de guerra.
[17]A violência sexual é banida pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos principalmente por meio da proibição da tortura e tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes. Desse modo, a Corte Europeia de Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos encontraram na sua jurisprudência exemplos de violações de detidos que atingem o grau de tortura.
[18] A Corte Europeia também concluiu que a revista de um prisioneiro nu na presença de uma guarda feminina é um tratamento degradante.
[19] O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher afirmou em uma Recomendação Geral que a discriminação inlcui a violência de gênero.
[20] Existe uma quantidade cada vez maior de tratados e outros instrumentos internacionais que afirmam que o tráfico de mulheres e crianças para a prostituição é um delito penal,
[21] assim como há um reconhecimento maior da necessidade de punir todos os responsáveis pela violência sexual.
[22] A proibição de usar a violência sexual como uma punição oficial é evidente; a punição não só não é aplicada oficialmente pelos Estados, como os relatos confirmados de casos assim foram negados ou as pessoas responsáveis foram processadas.
[23]Com relação à definição de violação, o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia considerou, no acórdão do caso
Furundžija, em 1998, que a violação requer que haja “coerção, força ou ameaça de força contra a vítima ou um terceiro”.
[24] Contudo, na jurisprudência posterior, no caso
Kunarac de 2001, o Tribunal considerou que poderia haver outros fatores “que levariam a um ato de penetração sexual não consentida ou não voluntária por parte da vítima”, definindo esta consideração o âmbito preciso da definição de violação pelo direito internacional.
[25] O Tribunal Penal Internacional para Ruanda no caso
Akayesu, em 1998, concluiu que “a violação é uma forma de agressão” e que “os elementos centrais do crime de violação não podem ser capturados em uma descrição mecânica de bens e partes dos corpos”. Definiu violação como “uma invasão física de natureza sexual, cometida em uma pessoa sob circunstâncias que são coercitivas”.
[26]A violação e a violência sexual podem ser elementos constitutivos de outros crimes de acordo com o direito internacional. O Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia no caso
Delalić concluiu que a violação pode configurar tortura quando se cumprirem suas condições específicas.
[27] O Tribunal Penal Internacional para Ruanda nos casos
Akayesu e
Musema decidiu que a violação e a violência sexual podem configurar genocídio quando se cumprirem as suas condições específicas.
[28] Foi determinado pela prática que a proibição de violência sexual não é discriminatória, ou seja, que homens e mulheres, bem como adultos e crianças, são protegidos do mesmo modo pela proibição. Com exceção da gravidez forçada, os crimes de violência sexual no Estatuto do Tribunal Penal Internacional são proibidos quando cometidos contra “qualquer pessoa”, não apenas mulheres. Além disso, nos Elementos dos Crimes deste Tribunal, o conceito de “invasão” empregado para definir a violação foi “com a intenção de ser amplo o suficiente para ser neutro no gênero”.
[29]