Norma 104. As convicções e práticas religiosas dos civis e pessoas fora de combate deverão ser respeitadas.Volume II, Capítulo 32, Seção P.
A prática dos Estados estipula esta regra como uma norma do direito internacional consuetudinário aplicável tanto nos conflitos armados internacionais como não internacionais. Uma aplicação específica desta norma para as pessoas privadas de liberdade figura na Norma 127 sobre o respeito às convicções e práticas religiosas das pessoas privadas de liberdade.
A obrigação de se respeitarem as convicções e práticas religiosas das pessoas em território ocupado já era reconhecida pelo Código Lieber, Declaração de Bruxelas e Manual de Oxford,
[1] sendo codificada nos Regulamentos da Haia.
[2] A obrigação estende-se a todas as pessoas protegidas pela IV Convenção de Genebra.
[3] As Convenções de Genebra requerem o respeito pela religião e pela prática religiosa em uma série de normas minuciosas relativas aos ritos de sepultamento e cremação dos mortos, atividades religiosas dos prisioneiros de guerra e internados e à educação das crianças órfãs deparadas dos seus pais.
[4] A obrigatoriedade deste respeito é reconhecida pelos Protocolos Adicionais I e II como uma garantia fundamental para os civis e pessoas foras de combate.
[5]Os requisitos de se respeitarem as convicções e práticas religiosas das pessoas figura em inúmeros manuais militares.
[6] A violação deste direito, em particular a conversão forçada a outra fé, é um delito passível de punição de acordo com a legislação de muitos Estados.
[7] Esta prática inclui os Estados que não são, ou não eram no momento, partes dos Protocolos Adicionais.
[8] A norma foi apresentada em vários julgamentos de crimes de Guerra após a II Guerra Mundial. No caso
Zühlke, o Tribunal Extraordinário de Cassação dos Países Baixos concluiu que a recusa em admitir um clérigo ou padre a uma pessoa que aguarda a execução de uma pena de morte constituía um crime de guerra.
[9] No caso
Tanaka Chuichi, a Corte Militar da Austrália em Rabaul considerou que forçar os prisioneiros de guerra Sikh a cortar seu cabelo e barba e a fumarem cigarros, atos proibidos por sua religião, eram crimes de guerra.
[10] Deve-se observar que os Elementos dos Crimes do Tribunal Penal Internacional, no âmbito do crime de guerra de “ofensas contra a dignidade pessoal”, determinam que esse crime leve em consideração aspectos relevantes do contexto cultural da vítima.
[11] Foi inserido para incluir como crime de guerra o ato de forçar as pessoas a agirem contra suas crenças religiosas.
[12]O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção sobre os Direitos da Criança e os tratados regionais de direitos humanos dispõem que todas as pessoas têm o direito à liberdade de “pensamento, consciência e religião” ou, de outra forma, “consciência e religião”.
[13] Estes tratados também preveem o direito da pessoa a professar sua religião e crenças, sujeito apenas às limitações da lei necessárias para manter a segurança pública, ordem, saúde, moral ou os direitos e liberdades de outrem.
[14] Os direitos mencionados acima são enumerados especificamente pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos como não passíveis de suspensão,
[15] enquanto que a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos não permite a possibilidade de suspensão. O direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, de professar sua religião e crenças e de adotar outra religião figura em outros instrumentos internacionais.
[16]O direito da pessoa às suas convicções religiosas ou outras convicções pessoais não está sujeito a limitações, ao contrário do modo de professá-las como explicado anteriormente. Os tratados de direito humanitário destacam o requisito de se respeitar a religião das pessoas protegidas. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e as Convenções Europeia e Americana de Direitos Humanos preveem especificamente que o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião inclui a livre escolha de uma religião ou crença.
[17] Sujeitar uma pessoa à coerção que prejudicaria este direito é expressamente proibido pelo Pacto e pela Convenção Americana.
[18] No seu Comentário Geral sobre o artigo 18 do Pacto, o Comitê de Direitos Humanos da ONU declarou que a proibição de coerção protege o direito de se adotar outra crença, manter a mesma ou assumir opiniões ateias. Acrescentou que as políticas ou práticas que tenham a mesma intenção ou consequência, como, por exemplo, as que restringem o acesso à saúde, educação ou emprego violariam esta norma
.[19] Esta opinião foi compartilhada pela Corte Europeia de Direitos Humanos e pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que também destacaram a importância de se respeitarem as opiniões seculares.
[20] Qualquer forma de perseguição, abuso ou discriminação por causa das convicções, religiosas ou não, de uma pessoa, violaria esta norma. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos declarou, em seu relatório sobre terrorismo e direitos humanos, que as leis, os métodos de investigação e o processo não deverão ser elaborados ou implementados com a finalidade de distinguir desfavoravelmente os membros de um grupos com base na sua religião, entre outros.
[21]A expressão de convicções pessoais ou professar sua própria religião deverão ser respeitadas, incluindo, por exemplo, o acesso a locais de cultos e às pessoas do sacerdócio.
[22] As limitações somente serão permitidas se necessário para manter a ordem, segurança e os direitos e liberdades de outrem. Como mencionado no comentário da Norma 127, a prática da religião deverá estar sujeita aos regulamentos militares. Contudo, limitar a prática apenas poderá ser feito dentro do razoável e necessário em um âmbito específico. No seu Comentário Geral sobre o artigo 18 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Comitê de Direitos Humanos da ONU afirmou que as limitações deverão ser diretamente relacionadas e proporcionais à necessidade específica e aquelas aplicadas para a proteção da moral não deverão ser derivadas exclusivamente de uma única tradição. O Comitê acrescentou que as pessoas sujeitas a restrições legais, como prisioneiros, deverão continuar a exercer o direito de professar sua religião e crença “de forma mais completa possível dentro da natureza específica da restrição”.
[23]