Norma 98. É proibido o desaparecimento forçado.Volume II, Capítulo 32, Seção K.
A prática dos Estados estipula esta regra como uma norma do direito internacional consuetudinário aplicável tanto nos conflitos armados internacionais como não internacionais.
Os tratados do Direito Internacional Humanitário não se referem ao termo “desaparecimento forçado” como tal. Contudo, o desaparecimento forçado viola ou ameaça violar uma série de normas consuetudinárias do Direito Internacional Humanitário, mais notadamente a proibição de privar arbitrariamente da liberdade (ver Norma 99), a proibição da tortura e outros tratamentos cruéis e desumanos (ver Norma 90) e a proibição de assassinar (ver Norma 89). Além disso, nos conflitos armados internacionais, as inúmeros requisitos relativos ao registro, visitas e transmissão de informações sobre as pessoas privadas de liberdade têm por finalidade, entre outras, de prevenir os desaparecimentos forçados (ver Capítulo 37). Em conflitos armados não internacionais, exige-se que as partes tomem medidas para prevenir os desaparecimentos, incluindo o registro de pessoas privadas de liberdade (ver Norma 123). Esta proibição deve ser também vista à luz da norma que exige o respeito pela vida familiar (ver Norma 105) e da obrigação de que cada parte em conflito deva tomar todas as medidas factíveis para esclarecer o paradeiro das pessoas relatadas como desaparecidas como consequência do conflito armado, prestando informações aos seus familiares (ver Norma 117). O efeito acumulativo dessas normas faz com que o fenômeno do “desaparecimento forçado” seja proibido pelo Direito Internacional Humanitário.
Apesar de que a articulação da proibição de desaparecimentos forçados esteja nos seus primeiros estágios nos manuais militares e legislação nacional, figura expressamente nos manuais militares da Colômbia, El Salvador, Indonésia e Peru.
[1] A legislação de muitos Estados também proíbe especificamente esta prática.
[2]A XXIV Conferência Internacional da Cruz Vermelha, em 1981, considerou que os desaparecimentos forçados “implicam violações dos direitos humanos fundamentais como o direito à vida, liberdade e segurança da pessoa; de não ser submetido à tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante; de não ser preso ou arbitrariamente detido e de ter um julgamento justo e público”.
[3] A XXV Conferência Internacional da Cruz Vermelha, em 1986, condenou “qualquer ato que leve ao desaparecimento forçado ou involuntário de indivíduos ou grupos de indivíduos”.
[4] O Plano de Ação para o período 2000-2003, adotado pela XXVII Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em 1999, solicitou a todas as partes em conflitos armados a tomar medidas eficazes para assegurar que “ordens estritas sejam dadas para prevenir todas as graves violações do Direito Internacional Humanitário, incluindo (...) desaparecimentos forçados”.
[5] Todas essas resoluções foram adotadas por consenso.
Não foi encontrada nenhuma prática oficial contrária no sentido que nenhum Estado reivindicou o direito de forçar o desaparecimento de pessoas. Além disso, supostos casos de desaparecimento forçado foram geralmente condenados pelos Estados e as Nações Unidas. Os desaparecimentos que ocorreram durante o conflito na Ex-Iugoslávia, por exemplo, foram condenados nos debates do Conselho de Segurança, em 1995, por Botsuana, Honduras e Indonésia
[6] e em resoluções adotadas por consenso pelo Conselho de Segurança e a Comissão de Direitos Humanos da ONU.
[7] A Assembleia Geral também condenou os desaparecimentos forçados na Ex-Iugoslávia, em uma resolução adotada em 1995,
[8] e no Sudão, em uma resolução adotada em 2000.
[9]De acordo com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a prática sistemática de desaparecimentos forçados constitui um crime contra a humanidade.
[10] A Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas também os proíbe como um delito grave e abominável contra a dignidade inerente do ser humano”, declarando que “viola inúmeros direitos humanos essenciais e inderrogáveis”.
[11] A Declaração sobre Desaparecimentos Forçados da ONU, adotada por consenso, especifica que os desaparecimentos forçados constitui uma violação do direito à liberdade e segurança da pessoa e do direito a não ser submetido à tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes, sendo ainda uma violação, ou uma grave ameaça, do direito à vida.
[12]É significativo que no caso
Kupreškić, em 2000, o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia concluiu que os desaparecimentos forçados poderiam ser caracterizados como crimes contra a humanidade, apesar de não figurarem como tal no Estatuto do Tribunal. Este levou em consideração o fato de que os desaparecimentos forçados consistiam violações de diversos direitos humanos, sendo proibidos pela Declaração sobre Desaparecimentos Forçados da ONU e a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas. Decidiu-se, portanto, que entrava na categoria de “outros atos desumanos” dispostos pelo artigo 5(i) do seu Estatuto.
[13]Além disso, os organismos de direitos humanos concluíram que os desaparecimentos forçados violam vários direitos em vários casos, como, por exemplo, quando a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiram que violam o direito à liberdade e a segurança da pessoa, o direito a um julgamento justo e o direito à vida.
[14]Como afirma a Declaração sobre Desaparecimento Forçado da ONU, infligem ainda grave sofrimento não somente às vítimas, mas também às suas famílias
.[15] O Comitê de Direitos Humanos da ONU e a Corte Europeia de Direitos Humanos concluíram, de modo similar, que o desaparecimento forçado de um familiar próximo constitui tratamento desumano do parente.
[16] O Comitê de Direitos Humanos da ONU também destacou, em seu Comentário Geral sobre o artigo 4º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que a proibição dos raptos e detenções não reconhecidas não podia ser suspensa, declarando que “a natureza absoluta dessas proibições, mesmo durante emergências, justifica-se pela sua condição de norma do direito internacional geral”.
[17] Deve-se, portanto, observar que, apesar de ser a prática sistemática e generalizada do desaparecimento forçado que constitui um crime contra a humanidade, qualquer desaparecimento forçado é uma violação do Direito Internacional Humanitário e dos direitos humanos.
Existe abundante prática que indica que a proibição do desaparecimento forçado compreende o dever de investigar os casos de desaparecimentos forçados.
[18] O dever de preveni-los é ainda amparado pela exigência de registrar os dados das pessoas privadas de liberdade (ver Norma 123).