Norma 153. Os comandantes e outros superiores são responsáveis penalmente pelos crimes de guerra cometidos pelos seus subordinados no caso de terem conhecimento ou terem motivo para ter conhecimento de que os seus subordinados estariam cometendo ou pretenderiam cometer tais crimes, e não adotaram todas as medidas necessárias e razoáveis ao seu alcance para prevenir a sua perpetração, ou se tais crimes foram cometidos, para punir os responsáveis.Volume II, Capítulo 43, Seção C.
A prática dos Estados estipula esta regra como uma norma do direito internacional consuetudinário aplicável tanto nos conflitos armados internacionais como não internacionais.
A responsabilidade penal dos comandantes pelos crimes de guerra cometidos pelos seus subordinados que está fundamentada na incapacidade do comandante em tomar as medidas para evitar ou punir a execução de tais crimes é uma norma de longa data do direito internacional consuetudinário. Foi com esta base que vários comandantes foram considerados culpados por crimes de guerra cometidos pelos seus subordinados em vários julgamentos após a II Guerra Mundial.
[1] Esta norma encontra-se no Protocolo Adicional I, bem como nos Estatutos do Tribunal Penal Internacional e do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia.
[2] Foi confirmada em vários casos perante este último.
[3]Manuais e instruções militares, assim como a legislação de uma série de Estados, determinam a responsabilidade dos comandantes pelos crimes dos seus subordinados, incluindo os Estados que não eram, ou não no momento, partes do Protocolo Adicional I.
[4]A norma foi reiterada em resoluções sobre o conflito na Ex-Iugoslávia adotadas pela Assembleia Geral e a Comissão de Direitos Humanos da ONU.
[5]A prática com relação aos conflitos armados não internacionais é menos extensa e mais recente. Entretanto, a prática existente indica que não há controvérsias sobre a aplicação desta norma aos crimes cometidos em conflitos armados não internacionais. Em particular, os Estatutos do Tribunal Penal Internacional, dos Tribunais Penais Internacionais para a Ex-Iugoslávia e para Ruanda e a Corte Especial para Serra Leoa e o Regulamento No. 2000/15 da UNTAET para o Timor Leste preveem explicitamente esta disposição no âmbito de conflitos armados não internacionais.
[6] O fato que esta norma também se aplicaria a crimes cometidos em conflitos armados não internacionais não provocou nenhuma controvérsia durante a negociação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
No caso Hadžihasanović and Others, o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia decidiu que a doutrina da responsabilidade do comando, como um princípio do direito internacional consuetudinário, também se aplica aos conflitos armados não internacionais.
[7] Esta norma foi ainda confirmada em vários casos apresentados perante o Tribunal Penal Internacional para Ruanda.
[8]Existe jurisprudência nacional que aplica a norma a situações fora do âmbito dos conflitos armados internacionais. A Corte Federal da Florida nos EUA aplicou-a no caso Ford v. García, de 2000, relativo a uma ação civil que lidava com atos de assassinatos extrajudiciais e tortura cometidos em El Salvador.
[9] O Tribunal Ad Hoc de Direitos Humanos do Timor Leste aplicou-a no caso Abilio Soares, de 2000, no qual o Tribunal considerou que o conflito no Timor Leste era de caráter interno de acordo com o significado do artigo 3º comum às Convenções de Genebra.
[10] No caso Bolandk, de 1995, a Corte de Apelação da Corte Marcial do Canadá considerou um superior culpado de negligência na prevenção da morte de um prisioneiro mesmo que ele tivesse razões para supor que seu subordinado colocaria em risco a vida do prisioneiro.
[11] No caso Military Junta, a Corte de Apelações da Argentina fundamentou sua sentença na incapacidade dos comandantes de punirem os perpetradores de tortura e assassinatos extrajudiciais.
[12] Outra prática nesse sentido é o relatório da Comissão da Verdade da ONU para El Salvador, de 1993, que assinalou que as instâncias judiciais falharam em adotar medidas para determinar a responsabilidade penal dos superiores dos culpados de assassinatos arbitrários.
[13]A presente norma foi interpretada na jurisprudência surgida após a II Guerra Mundial e na que está relacionada com os Tribunais Penais Internacionais para a Ex-Iugoslávia e para Ruanda. Compreende os seguintes aspectos, não estando limitados a eles:
Autoridade de comando civil. Não são apenas os militares que podem ser responsabilizados por crimes de guerra fundamentados na responsabilidade do comando, os civis também. O Tribunal Penal Internacional para Ruanda, no caso
Akayesu de 1998 e no caso
Kayishema and Ruzindana de 1999, e o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia, no caso
Delalić de 1998, adotaram este princípio.
[14] Também figura no Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
[15] Os Estatutos dos Tribunais Penais Internacionais para a Ex-Iugoslávia e para Ruanda e da Corte Especial para Serra Leoa referem-se em termos gerais a um “superior”,
[16] assim como muitos manuais militares e legislação nacional.
[17] Relação entre o comandante e o subordinado. A relação entre o comandante e o subordinado não implica necessariamente em um relação direta
de jure. A responsabilidade do comando
de facto é suficiente para causar a responsabilização do comando. Este princípio está reconhecido em vários acórdãos dos Tribunais Penais Internacionais para a Ex-Iugoslávia e para Ruanda.
[18] Os Tribunais identificaram o efetivo controle das ações dos subordinados, no sentido da capacidade material de prevenir e punir a prática de crimes, como o critério fundamental.
[19] A mesma ideia encontra-se refletida no artigo 28 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
[20] (iii) O comandante ou superior tinha conhecimento, ou deveria ter tido conhecimento. A prática confirma que a responsabilidade do comando não está limitada às situações em que o comandante ou superior tenha conhecimento de fato sobre os crimes cometidos ou em vias de serem cometidos pelos seus subordinados, bastando o conhecimento construtivo. Este conceito encontra-se em distintas fontes com formulações com pequenas variações: “tinha motivos para ter conhecimento”,
[21] “possuíam informações que lhes permitissem [os comandantes/superiores] concluir, nas circunstâncias do momento”,
[22] o comandante/ superior “(em virtude das circunstâncias do momento) deveria ter tido conhecimento”,
[23] o comandante/superior cometeu “uma falta ao fracassar em tomar conhecimento”,
[24] e o comandante/superior foi “negligente penalmente ao fracassar em tomar conhecimento”.
[25] As formulações cobrem essencialmente o conceito de conhecimento construtivo.
Para superiores que não sejam comandantes militares, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional emprega a frase: “deliberadamente não levou em consideração a informação que indicava claramente”.
[26] Este mesmo padrão foi utilizado pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda no caso
Kayishema and Ruzindana de 1999 para delinear o significado de “tinha motivos para saber” para os comandantes não militares.
[27] (iv) Investigação e denúncias. O fracasso em punir os subordinados que cometem crimes de guerra pode ser resultado do fracasso em
investigar possíveis crimes e/ou em
denunciar as suspeitas de crimes de guerra a autoridades superiores. Este aspecto figura no Protocolo Adicional I e no Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
[28] Também é o padrão em muitos manuais militares, legislação nacional, jurisprudência nacional e outras práticas.
[29] No seu relatório final sobre infrações graves das Convenções de Genebra e outras violações do Direito Internacional Humanitário
cometidas na Ex-Iugoslávia, a Comissão de Especialistas da ONU, criada pela Resolução 780 (1992) do Conselho de Segurança, reiterou este fundamento da responsabilidade do comando.
[30] No acórdão sobre o caso
Blaškić, de 2000, o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia determinou, contudo, que um comandante, quando ele ou ela tiver conhecimento, ou motivos para tal, que seus subordinados estão se preparando para cometer crimes, deverá dar prioridade à prevenção dos crimes e que “não poderá compensar pelo fracasso em agir ao punir posteriormente os subordinados”.
[31](v) Medidas necessárias e razoáveis. No caso
Delalić, de 1998, o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia interpretou os termos “medidas necessárias e razoáveis” como sendo limitadas às medidas que estejam de acordo à capacidade de cada um, já que nenhuma pessoa pode ser obrigada a fazer o impossível.
[32] Com relação às medidas necessárias e razoáveis para assegurar a punição dos criminosos de guerra, o Tribunal decidiu, no caso
Kvočka de 2001, que o superior não necessariamente terá que aplicar a punição, mas deverá tomar um passo importante no processo disciplinar”.
[33] No acórdão do caso
Blaškić de 2000, o Tribunal decidiu que “de acordo com algumas circunstâncias, um comandante poderá exonerar-se da obrigação de prevenir e punir um delito ao denunciá-lo às autoridades competentes.”
[34]